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Quem sai ganhando na era da Internet?

O palco estava montado para uma apresentação de gala: Miguel Angel Rodríguez, presidente da Costa Rica, país determinado a transformar sua economia de base agrícola em uma fonte de influência tecnológica regional, estava encarregado do discurso programático em um seminário internacional sobre tecnologia da informação.
O evento, organizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento para antes da reunião anual de sua Assembléia de Governadores em Nova Orleans, tinha o objetivo de ser uma mostra do uso de novas tecnologias em projetos desenhados para acelerar o desenvolvimento sustentável e o crescimento econômico eqüitativo na América Latina e no Caribe.

No entanto, como o próprio Rodríguez reconheceria em sua apresentação, o seminário foi perturbado por todo tipo de obstáculos que a região terá de superar para tirar vantagem plena da revolução tecnológica que está mudando a maneira como o mundo funciona, faz negócios e se comunica.

O presidente não pôde ir a Nova Orleans devido ao surto de demonstrações contra os planos de seu governo de promover concorrência nos setores de telecomunicações e energia, ambos monopólios de empresas estatais. Rodríguez teve de fazer sua apresentação por um sistema de teleconferência instalado em seu gabinete em San José, Costa Rica. Mas embora o público em Nova Orleans pudesse vê-lo em sua mesa de trabalho, mal conseguia entender sua voz de tão distorcida que soava. Por fim, após várias tentativas para sanar os problemas de ambos os lados, o presidente teve de recorrer a um microfone para transmitir sua mensagem.

Rodríguez descreveu como a Costa Rica está apostando pesado na previsão repetida exaustivamente de que a tecnologia da informação atingirá praticamente todos os aspectos das vidas das pessoas que têm sorte de ter acesso a essas novas ferramentas. Seu governo planeja conectar metade das escolas do país à Internet nos próximos dois anos. Nesse meio tempo, o acesso à World Wide Web deverá tornar-se realidade para pelo menos 25% da população. "No futuro", acrescentou, "todos os cidadãos costarriquenhos terão seu próprio endereço eletrônico, da mesma forma como hoje têm seus documentos de identidade."

Embora esse aumento na taxa de conectividade seja uma realização impressionante para um país em que, atualmente, apenas 1% da população tem acesso à Internet, ainda assim deixaria a Costa Rica bem atrás das nações industrializadas, como os Estados Unidos. De fato, prevê-se que a defasagem entre os Estados Unidos e países latino-americanos como o Brasil se tornará ainda maior nos próximos anos, observou David Katz, diretor de desenvolvimento do mercado global na 3Com Corporation e um dos debatedores do seminário.

Katz, ex-professor, disse que será crucial para os países em desenvolvimento investir em tecnologia para vencer essa defasagem, uma vez que a economia global está se tornando cada vez mais dependente de tecnologias baseadas no conhecimento. "Sessenta por cento de todos os novos empregos criados hoje nos Estados Unidos requerem aptidão em alta tecnologia", disse ele. "No ano 2015, serão 90%."

Para tirar todo o proveito possível da revolução da informação, os países deverão investir mais no treinamento de trabalhadores mais velhos, estudantes e professores, para que adquiram o tipo de habilidades necessárias para a nova economia, disse Katz. Por sua vez, os governos deveriam eliminar todas as barreiras que retardam o desenvolvimento de empresas de alta tecnologia, como regulamentos que impedem a concorrência no setor de telecomunicações, direitos alfandegários que encarecem os equipamentos e restrições que limitam o acesso ao espectro da banda larga.

A Costa Rica há muito fez da educação e capacitação as prioridades nacionais número um. Os investimentos nessas áreas foram generosamente recompensados quando Intel, a gigante do mundo dos semicondutores, escolheu San José para construir uma nova fábrica de chips para computadores. Em grande parte graças à produção da nova fábrica, o montante das exportações de alta tecnologia da Costa Rica disparou, ultrapassando os ganhos provenientes de exportações tradicionais, como café e banana.

Mas o país enfrenta obstáculos estruturais que podem paralisar seus esforços para desenvolver um setor de tecnologia da informação de nível mundial. Segundo relatório da firma americana de consultoria Toffler Associates, a Costa Rica está atrás até mesmo de alguns de seus vizinhos centro-americanos em áreas chave, como reforma do quadro regulador e digitalização da rede telefônica.

Ao contrário de muitos países latino-americanos e caribenhos que liberalizaram seus setores de telecomunicações e promoveram a concorrência entre os fornecedores de serviços, as telecomunicações da Costa Rica são monopólio da empresa estatal Instituto Costarricense de Electricidad (ICE). O serviço da Internet é monopolizado por uma subsidiária da ICE, a RACSA.

De acordo com o relatório da Toffler, encomendado pela Coalizão para Iniciativas de Desenvolvimento da Costa Rica e pela Secretaria Geral para a Integração da Economia Centro-Americana, o ICE e a RACSA estão sobrecarregados por um acúmulo de leis e normas que os impedem de reagir com rapidez às mudanças e inovações que ocorrem continuamente na área de telecomunicações. Os pedidos de compra podem levar até dois anos para percorrer a burocracia – uma eternidade na era da Internet.

A taxa de digitalização da rede telefônica da Costa Rica é um ponto especialmente fraco, observa o relatório da Toffler. "A baixa taxa da Costa Rica nesse aspecto acarreta custos operacionais mais elevados para o ICE e a RACSA, além de reduzir o alcance dos serviços com valor agregado disponíveis em todo o país para os costarriquenhos e para as empresas multinacionais que estão avaliando as possibilidades de investir aqui", diz o relatório. Clientes corporativos, como os bancos, com freqüência se queixam de que o serviço da Internet, além de lento, não é confiável na Costa Rica, além de ser bem mais caro do que em outros países da América Latina.

Numa tentativa de resolver essas e outras deficiências estruturais, o governo de Rodríguez elaborou um projeto de lei para modernizar o ICE e introduzir gradualmente a concorrência nos setores de telecomunicações e energia. O projeto, que não contemplava privatização, ganhou amplo apoio bipartidário no legislativo. No entanto, deflagrou algumas das demonstrações mais exaltadas que a Costa Rica já viu nestas últimas décadas, levando o país a uma situação de paralisação por quase duas semanas. O protesto público fez com que o legislativo engavetasse o projeto e criasse uma comissão especial, integrada por representantes dos sindicatos trabalhistas, estudantes universitários e membros da Igreja Católica, para discutir um novo projeto. Em maio, um tribunal constitucional determinou que o projeto original não tinha validade, por ter violado diversos procedimentos legislativos em sua tramitação.

"Esta reforma é indispensável para nosso país", afirmou Rodríguez ao diário La Nación pouco depois das demonstrações. "Se outros tomarem a dianteira e ganharem vantagens competitivas, nós nos tornaremos mais pobres; se ficarmos para trás, as empresas deixarão de se estabelecer aqui e gerar empregos."

Em construção.
O seminário do BID mostrou que, apesar da relativa escassez de recursos da região, as novas tecnologias de informação e telecomunicações podem ajudar os países latino-americanos e caribenhos a superar velhas barreiras ao desenvolvimento. Usando ferramentas modernas, eles podem começar a derrubar obstáculos como baixa qualidade da educação pública, acesso precário aos serviços de saúde e baixa produtividade das empresas de pequeno e médio portes. Aplicada ao governo, a tecnologia da informação pode tornar a gestão do setor público mais eficaz e transparente, reduzindo as oportunidades de corrupção. Essas novas tecnologias poderão até mesmo resolver problemas como a exclusão das mulheres e dos jovens dos benefícios do progresso econômico.

"Nossa região não pode ignorar esta revolução", disse o Presidente do BID Enrique V. Iglesias. "Deve aproveitá-la, sobretudo para alcançar três metas concretas: crescer mais, crescer melhor e fortalecer os sistemas democráticos de governo."

Como em outras partes do mundo, uma das principais preocupações da América Latina é impedir que os padrões de distribuição de renda, profundamente distorcidos, piorem ainda mais com a adoção das tecnologias modernas. Na conferência, todos os palestrantes trataram de diferentes aspectos da "defasagem digital" existente entre os que têm e os que não têm acesso a essas tecnologias.

Muitas das iniciativas exibidas em Nova Orleans se destinam exatamente a permitir que os pobres participem dos benefícios da revolução tecnológica. Esses programas estão prosperando graças a esforços empreendidos pelos setores público e privado e por organizações sem fins lucrativos da sociedade civil.

O e-commerce é um dos casos típicos. Mesmo em lugares remotos, onde os telefones, para não falar de computadores, são raros, o comércio eletrônico permite que as populações indígenas comercializem seu artesanato muito além de suas aldeias. A Samajel B'Atz', cooperativa formada por nove grupos de artesãos guatemaltecos, colocou no ar sua homepage com a ajuda da PEOPLink, organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos. Via Internet, a cooperativa pode tratar diretamente com consumidores e varejistas, permitindo que artesãos, ceramistas e tecelões — e não intermediários — recebam a maior parte da receita das vendas. Essa tecnologia permite aos artesãos auferir mais renda e manter-se a par de gostos e tendências dos consumidores. Se no passado sua produção era movida pelo equivalente em marketing a um tiro no escuro, agora os artesãos podem adaptar sua produção às especificações dos clientes. O aumento no fluxo de caixa tem permitido à cooperativa oferecer pequenos empréstimos a seus membros.

Outro exemplo de como essas novas tecnologias podem aumentar a capacidade até mesmo das comunidades mais pobres é a cruzada realizada pelo Comitê para Democratização na Informática (CDI), sediado no Brasil. Fundado em 1995 por Rodrigo Baggio, jovem empresário carioca, o CDI abriu 117 escolas de informática em favelas de 14 estados brasileiros. Mais de 35.000 pessoas já receberam treinamento em tecnologias cujo domínio melhora suas oportunidades de emprego. Baggio, que já levou seus cursos de computação a prisões e tribos indígenas do Brasil, anunciou no seminário de Nova Orleans que expandirá seu programa para outros países latino-americanos com a ajuda do BID e um financiamento da Fundação StarMedia.

Em uma escala maior, o programa Telesecundaria do México está usando tecnologias de telecomunicação modernas para levar o ensino secundário às áreas mais remotas do país, a uma fração do custo de construção, contratação de pessoal e manutenção de uma escola tradicional. Com apenas três professores e US$2.500 para a aquisição de uma antena de satélite e alguns aparelhos de TV, o Telesecundaria pode chegar a alunos em vilas como San José de Avino, no estado de Durango, em que a escola secundária mais próxima fica a duas horas de distância de carro. Um milhão de pessoas, entre adolescentes e adultos, está matriculado no programa mexicano de ensino à distância. De acordo com os resultados das provas, o rendimento dos alunos do Telesecundaria está no mesmo nível do de seus colegas das escolas tradicionais.

A tecnologia da informação também pode ajudar os países a administrar o setor público com mais eficiência. Em toda a região, os governos estão instalando sistemas on-line nos níveis federal, estadual e municipal para o gerenciamento de tarefas como aquisições e contratações públicas, arrecadação de impostos e pagamentos. No caso de aquisições do setor público, os governos podem incentivar ainda mais a concorrência entre os fornecedores e tornar o processo mais transparente.

Mas, mesmo entusiasmados com essas novas ferramentas, os líderes da região também se apressam em ressaltar que a tecnologia da informação não é panacéia. Abordando a questão sob uma perspectiva histórica, José Octavio Bordón, ministro da educação da província argentina de Buenos Aires, leu na conferência o telegrama de congratulações que o presidente argentino Domingo Sarmiento enviou quando o primeiro cabo transatlântico foi lançado há mais de um século. Em sua mensagem, Sarmiento saúda a realização como o primeiro passo para a criação de uma comunidade verdadeiramente global.

Os países estão perfeitamente conscientes da necessidade de assegurar o mais amplo acesso possível aos benefícios das novas tecnologias. A Ministra da Educação de Barbados, Mia Amor Mottley, disse que um dos princípios orientadores da reforma educacional de sua nação é o de garantir que a revolução da informática transforme seus cidadãos em produtores de tecnologia, e não simplesmente em consumidores finais.

"A tecnologia por si só não gera igualdade", disse Mottley. "Mas oferece oportunidades a países como Barbados, porque agora o tamanho ou a localização geográfica não importam mais."

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