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Uma medida do infortúnio

É possível medir a desigualdade? Em certo sentido, a noção parece absurda, da mesma forma que a tentativa de quantificar a justiça, a honestidade ou a corrupção.

Os dicionários definem desigualdade como "falta de igualdade" em oportunidades, tratamento ou status. Embora esses conceitos sejam abstratos, as pessoas tendem a usar algo bastante concreto - renda pessoal - como prova de que alguns indivíduos são mais iguais que outros, para citar um adágio popular. Na verdade, a maioria das sociedades visualiza a distribuição da renda como um indicador de fato da desigualdade.

Os economistas transformaram a preocupação humana com os ganhos salariais em uma medida mais científica da desigualdade. São ajudados nisto pelo fato de que a renda, ao contrário da oportunidade ou do status, pode realmente ser medida com alguma precisão. No novo relatório do BID sobre o desenvolvimento econômico e social, Facing Up to Inequality in Latin America, os pesquisadores do Banco usaram respostas a perguntas sobre renda em pesquisas de unidades domiciliares realizadas entre 1994 e 1996 em 14 países que englobam mais de 80% da população da região. Essas respostas podem ser plotadas como uma curva ascendente em um gráfico que mostra a porcentagem de todas as rendas ganhas por segmentos de uma população (ver gráfico no botão ao lado).

Em uma sociedade perfeitamente igual, essa linha seria uma diagonal reta (já que, por exemplo, cada segmento dado de 20% da população ganharia exatamente 20% do total da renda). No caso da América Latina e do Caribe, a curva apresenta uma depressão acentuada para baixo. Observando-se os pontos A e B no gráfico, é possível perceber que os 20% mais pobres ganham apenas 4% de toda a renda nacional, enquanto os 10% mais ricos ganham 40% da renda.

Para a maioria das pessoas, porém, as curvas são muito menos descritivas do que os números. Para se fazer entender, os economistas popularizaram uma medida conhecida como "coeficiente de Gini", assim chamado por causa de Corrado Gini (1884-1965), estatístico e demógrafo italiano que foi pioneiro em estudos sobre as características mensuráveis das populações. O seu coeficiente representa a defasagem entre a perfeita distribuição diagonal e a curva de distribuição real de um dado país.

O coeficiente de Gini 0 indica perfeita igualdade de renda, enquanto 1, no extremo oposto, significa que a renda está concentrada em uma única pessoa. Em 95 de 100 países para os quais existem dados comparáveis, o coeficiente de Gini vai de 0,26 a 0,60. Na América Latina e no Caribe, ele vai de 0,59 no Brasil a 0,43 no Uruguai (ver gráfico ao lado).

Os céticos podem desdenhar o coeficiente do Gini como mais um brinquedo estatístico inventado por pesquisadores obcecados por números. Na verdade, existem diversas outras maneiras de analisar os números da renda para avaliar a desigualdade. Um dos mais comuns consiste em simplesmente dividir a renda das pessoas dos 10% ou 20% superiores da curva por aquela do decil ou quintil inferior. Mas, como o gráfico desta página demonstra, os coeficientes de Gini tendem a se correlacionar muito estreitamente com os chamados quocientes de "defasagem de renda".

No entanto, apesar de todo o seu poder de atração, os indicadores de renda de Gini e outros esclarecem apenas uma estreita faixa da realidade. "A meta real é medir o padrão de vida", diz Miguel Székely, o economista do BID que processou muitos dos dados estatísticos do relatório do Banco, "e a renda é apenas uma dimensão do padrão de vida". Supõe-se que outras dimensões, como saúde, educação e consumo, sejam refletidas pela renda, mas por vezes não o são. Por exemplo, países com índices de Gini comparáveis podem ter indicadores de saúde radicalmente diferentes.

Como médias nacionais, os indicadores de renda também obscurecem as enormes variações da desigualdade dentro de cada país. Quando as pesquisas de unidades domiciliares das quais deriva o índice incluem somente áreas urbanas (como é o caso da Argentina, da Bolívia e do Uruguai no segundo gráfico), a distorção é ainda maior. Székely afirma que os índices de desigualdade para esses três países teriam sido consideravelmente piores se as áreas rurais também tivessem sido incluídas.

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