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Depois do desastre

Na maioria das vezes, os furacões descarregam sua fúria e depois se afastam rapidamente. Mas o furacão Mitch executou lentamente a sua obra de destruição. Viajando de norte para oeste através do Caribe, onde passou perto da Jamaica e Cuba, seus ventos alcançaram o pico de 289 km por hora no dia 26 de outubro ao passar ao longo da costa nordeste de Honduras, o que faz dele uma das tempestades mais fortes deste século. Ele permaneceria nessa intensidade durante as 24 horas seguintes, antes de começar a perder força.

Mas a emergência não parou aí. Na manhã de 28 de outubro, a tempestade estacionou ao norte de Honduras. A partir desse momento, o perigo não eram mais os ventos e sim a chuva, que aumentou de intensidade e raio de ação, sobretudo em Honduras e na Nicarágua. Ao todo, foi mais de um metro de precipitação, provocando inundações e deslizamentos de terra catastróficos nos dois países, deixando um total de 10.000 mortos, 9.000 desaparecidos e mais de 1 milhão de pessoas sem teto, além de bilhões de dólares em danos materiais. Depois, a tempestade continuou através de Chiapas no México, passou de volta pelo Caribe e se dissipou sobre a Flórida.

Embora a população da América Central esteja habituada a desgraças, tanto naturais quanto provocadas pelo homem, esta a deixou entorpecida. Nenhum outro evento na memória causou tanta devastação em termos de vidas perdidas e propriedade destruída. Mitch foi o golpe final de um ano marcado por catástrofes naturais. Há apenas um mês, o furacão Georges tinha provocado destruição em massa e a morte de milhares em diversas nações caribenhas, entre as quais o Haiti e a República Dominicana. Antes disso, El Niño tinha causado inundações e secas recordes no Equador, no Peru e em outros países.

Depois de cada desastre, e em particular depois do furacão Mitch, os governos nacionais e a comunidade internacional de organismos, grupos de caridade e cidadãos particulares se mobilizaram rapidamente para cuidar dos feridos, dos desabrigados e dos famintos. Ao mesmo tempo, começou o trabalho de longo prazo de reconstrução das vidas despedaçadas e restauração das economias destruídas.

O BID se mobiliza.
Assim que começaram a ser divulgados os relatos da América Central sobre o furacão Mitch, o BID reuniu uma equipe de especialistas de projetos para se deslocar a Tegucigalpa, Honduras, com o objetivo de avaliar os danos e determinar as prioridades de assistência para o Banco. Tendo chegado ao país quatro dias depois que a tempestade se dissipara, o grupo, chefiado pelo veterano do BID em América Central Andrés Marchant, encontrou uma cidade com mais de 240 000 pessoas desabrigadas e com uma enorme carência de água potável e de serviços básicos.

Quando a equipe chegou, o escritório do Banco no país, chefiado por Fernando Cossío, já tinha montado as salas de conferência em um hotel e distribuído as mesas de trabalho por setores: estradas, programas sociais, água e esgotos, educação, etc. Todas as tardes, depois de passar a primeira parte do dia visitando as áreas afetadas, o pessoal do BID e representantes de outros organismos doadores se reuniam ali para comparar as informações e coordenar os trabalhos de socorro.

De volta a Washington, o BID já tinha providenciado pequenas doações de emergência a Honduras e Nicarágua, bem como a El Salvador e Guatemala. Começaram então os preparativos para a doação de US$1 milhão para a contratação dos consultores de que Honduras precisaria para a preparação do seu plano de reconstrução nacional. Teve início também a tarefa de delinear o trabalho de assistência de longo prazo (ver o artigo "Um futuro construído com solidariedade", neste número), em que o Banco fornecerá novos empréstimos aos países afetados, levantará fundos junto à comunidade internacional e avaliará a necessidade de alívio da dívida.

Dias depois do retorno da missão do BID de Honduras, uma segunda equipe partiu para Manágua, capital da Nicarágua. Lá também o furacão tinha provocado perdas enormes, sobretudo na base do vulcão Casitas, onde deslizamentos de terra riscaram do mapa aldeias inteiras.

A calamidade que o furacão Mitch desencadeou na América Central não é um evento isolado. O istmo tem a distinção bastante duvidosa de ficar no caminho de muitas tempestades tropicais. De fato, a palavra "furacão" provavelmente se origina da língua do povo taino que habitava a área do Caribe na era pré-colombiana. Durante o período colonial, os registros marítimos da Espanha e de outras potências européias relatam as enormes perdas de navios na área durante tormentas, muitas delas furacões. Ao longo dos anos, as perdas de navios devidas a furacões em mar aberto declinaram em número graças às melhorias na navegabilidade das embarcações. Mas os danos em terra aumentaram em função das mudanças na demografia e na ocupação do solo. Em 1950, os cinco países da região tinham uma população de 8,3 milhões de habitantes. O Centro Demográfico Latino-Americano estima que em 2025 a população da região passará dos 55 milhões. Muito mais pessoas se encontram em situação de risco hoje do que há algumas décadas atrás, e muitas mais estarão em risco no futuro. Além disso, grandes contingentes de pessoas, na maioria pobres, acabam nas cidades, onde constroem suas casas nas encostas precárias de morros e nas várzeas alagadiças. Os que ficam no campo transformam as florestas em terras para cultivo agrícola e em lenha, reduzindo assim a absorção da solo e sua capacidade de mitigar o impacto das chuvas pesadas.

Depois do furacão Mitch, Carlos Medina, ex-ministro do Meio Ambiente de Honduras, declarou que o extenso desmatamento de seu país fora o responsável pelo aumento do impacto da tempestade em cerca de 30%.

Entretanto, os países hoje dispõem de um prazo muito maior para alertar os seus cidadãos sobre a aproximação das tormentas (ver o artigo "Lições aprendidas ou lições perdidas?", neste número). As comunicações modernas percorreram um enorme caminho em relação a 1909, quando pela primeira vez um navio no Caribe foi capaz de avisar com antecedência sobre a aproximação de um furacão para ajudar nos preparativos da costa.

Mas a advertência antecipada perde muito de sua utilidade se não é precedida por uma preparação de longo prazo, que é realmente o que faz a diferença, como o desestímulo a construções em áreas de alto risco, o reflorestamento e a criação de órgãos encarregados da prontidão para casos de emergência. Na América Central, essas medidas não têm sido tomadas, o que se tornou tragicamente evidente três semanas depois que as Nações Unidas comemoraram o Dia Mundial da Redução de Desastres.

Com a marcha da reconstrução, os países estão determinados a aprender com seus erros e a montar uma estrutura para o desenvolvimento de longo prazo. O Presidente de Honduras Carlos Flores foi enfático: "Este é o único país que temos, portanto devemos reerguê-lo, e o faremos".
 

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